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Loteria e BC agindo como startup: o experimento da moeda digital chinesa

A grande inovação foi o fato de esse teste envolver duas coisas que pouco estão associadas à moeda dos países: prazo de validade e limitação territorial

Por Gustavo Cunha25 out 2020 08h00 – Atualizado 3 dias atrás

Getty Images

Nas últimas semanas, o Banco Central chinês fez uma loteria para sortear as pessoas que ganhariam o equivalente a US$ 30 em sua nova CBDC (DCEP), a moeda digital da instituição financeira.

Foram 50 mil sorteados. Essas pessoas tinham de gastar o dinheiro em aproximadamente uma semana, ou ele perderia sua validade.

Esse fato foi bastante comentado na mídia e em vários grupos de discussão sobre o assunto. Mas pouco foi falado sobre os impactos que a maneira como isso está sendo feito pode ter na atuação dos reguladores e empresas.

O Banco Central chinês adotou alguns conceitos comuns em startups. Por exemplo, desembolsou um valor para incentivar que o público testasse sua plataforma, conseguindo assim uma validação externa.

Além disso, a loteria levou o BC a conseguir inúmeros cadastros na plataforma.

Normalmente, esse contato dos Bancos Centrais com a população só é feito diretamente via papel moeda, já que todas as outras operações que fazemos ocorrem via intermediários (em geral bancos). Nesse caso, o Banco Central acessou diretamente as pessoas.

Isso corrobora a tendência de desintermediação do mercado financeiro e de livre acesso da população ao principal ente financeiro do país. Essa é uma tendência clara no mundo todo, e a China se apresenta como um grande expoente disso.

Esses fatores são muito importantes. Mas, para mim, a grande inovação, e que foi curiosamente pouco comentada, é o fato de esse teste envolver duas coisas que pouco estão associadas à moeda dos países: prazo de validade (juros negativos) e limitação territorial.

Como quem ganhava os US$ 30 equivalentes em DCEP tinha um prazo para gastá-los, o que foi testado, do ponto de vista macroeconômico, foi a aplicação de juros negativos à moeda digital.

Imagine a situação em que você, em um dia, tenha R$ 100 na sua carteira digital e, a cada dia que passa, esse valor vá diminuindo- R$ 1 por semana, por exemplo.

Em termos econômicos, isso equivale à aplicação de juros negativos ao seu dinheiro. Com o papel moeda isso não é possível. Uma nota de R$ 100 será sempre uma nota de R$ 100.

Mas, no campo digital, essa aplicação de juros negativos não somente é possível, como está sendo amplamente discutida na área acadêmica. Agora, já temos alguém testando isso.

Vale ressaltar que falamos aqui de juros nominais e não do poder de compra desse dinheiro, que pode sim ser corroído, ou de juros reais (acima da inflação).

Outro ponto é que houve uma determinação da área geográfica onde esse prêmio da loteria poderia ser gasto.

Hoje, quando um governo emite moeda, ela pode ser gasta em qualquer região daquele país ou área econômica que utilize aquela moeda.

No caso do DCEP, foi testada uma emissão da moeda com seu gasto limitado em uma área da China.

Para visualizar, é como se o auxílio dos R$ 600 pudesse ser gasto só, e somente só, na cidade de onde a pessoa que o recebeu é. Ou como se algum auxílio europeu dado a qualquer cidadão da comunidade europeia pudesse ser gasto somente em Portugal.

As repercussões do ponto de vista de alocação de recursos são imensas, e o papel do Banco Central se sobrepõe ainda mais ao do Tesouro. Sem contar as inúmeras utilizações que isso pode ter nas implementações de sistemas de renda básica universal (UBI).

Sendo um pouco mais técnico, políticas fiscais e monetárias praticamente se fundem, e preocupações em relação à politização dos Bancos Centrais se somam às de segurança digital, desintermediação financeira e sistema de moedas fracionárias, entre outras.

A pergunta que fica é quanto tempo isso vai demorar para ser testado pelo Ocidente. A quantidade de grupos de discussão dos Bancos Centrais, artigos e estudos sobre isso está em ampla ascendência, e não deve tardar até que algum outro Banco Central relevante siga o caminho chinês.

Muito embora, se eu tiver que chutar, acho que, dentre os cinco grandes BCs, devamos ter testes similares aos da China, na melhor das hipóteses, somente após 2022.

E quanto ao nosso grande Brasil? A agenda de inovações para os próximos dois a três anos será tomada por PixOpen Banking e algumas outras que são pilares importantes para serem consolidados.

Em paralelo, vamos acompanhando o que os outros BCs fazem e já preparando tudo para ingressar nisso.

FONTE: InfoMoney

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