Fim dos cobradores de ônibus – custos do sistema e impactos sociais: Como resolver a questão?

Cada vez mais têm sido comuns ônibus sem cobradores. Mudanças não têm mais volta?

Aproveitamento de mão de obra e investimento em redes de vendas e crédito estão entre os caminhos de uma realidade que parece ser irreversível.

Nesta semana, a retirada de cobradores de ônibus de sistemas de transportes voltou a ser notícia e mais uma vez com muita polêmica.

No sistema da Grande Recife, a linha 901 – TI Abreu e Lima/TI Macaxeira passou a deixar de receber dinheiro, com a passagem paga apenas pelo Vale Eletrônico Metropolitano – VEM desde 11 de julho de 2016.

Passageiros dizem enfrentar dificuldades e afirmam que continuam os furtos e assaltos dentro dos veículos. A retirada dos cobradores, na versão do Grande Recife Consórcio de Transporte, que reúne as empresas de ônibus, foi justamente para diminuir as ocorrências dentro dos ônibus.

As companhias afirmam que ainda é cedo para verificar os resultados do teste nesta linha.

Em Campinas, no interior de São Paulo, quando foi retirada a circulação de dinheiro dos ônibus em 2014, o Transurc, que representa as empresas de ônibus da região, disse que o número de assaltos nos coletivos caiu 67%.

No entanto, por causa de problemas com a rede de vendas de créditos, o dinheiro voltou a circular dentro dos ônibus de Campinas em 2015.

Em Franca, no interior de São Paulo, recentemente as novas linhas do transporte público municipal começaram a circular sem cobradores na empresa São José.

Os passageiros reclamaram de filas na hora do embarque e demora nos ônibus já que o dinheiro ainda é aceito para o pagamento das tarifas dentro dos coletivos.

Existem argumentos de vários lados, favoráveis e contrários à presença de cobradores:

Em São Paulo, por exemplo, o Sindmotoristas, que é o sindicato que representa os funcionários de transportes, conseguiu na justiça a manutenção dos cobradores de ônibus no sistema da capital paulista após manobra da prefeitura em tentar alterar uma lei que obriga a permanência de um trabalhador, além do motorista, no ônibus.

As empresas de ônibus alegam que os custos com esses profissionais por ano é de R$ 1 bilhão, praticamente a metade dos subsídios hoje pagos pelo poder público ao sistema, sendo que em torno de 6% dos passageiros pagam com dinheiro.

O diretor de comunicação e do departamento de medicina de tráfego ocupacional da Abramet – Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, Dirceu Rodrigues Alves Júnior, critica a dupla função nos transportes coletivos.

“A economia do empresário reduzindo o número de funcionários joga no pobre motorista uma carga de trabalho, responsabilidade e susceptibilidade para desenvolver sinais, sintomas e doenças. Em curto espaço de tempo os mais resistentes estarão buscando os ambulatórios médicos com queixas as mais variadas. Certamente serão detectados distúrbios físicos, psicológicos, sociais e em consequência a necessidade de tratamento específico, bem como a necessidade de afastamento do trabalho. Aumenta o absenteísmo, surgem doenças ocupacionais… Combatemos a desatenção na direção veicular. Não só as desatenções produzidas pela tecnologia introduzida nos veículos que são responsáveis por acidentes. Torna-se impossível imaginarmos o motorista de um coletivo tendo sua atenção voltada para cobrar passagem. Receber dinheiro, notas ou moedas, contá-las, dar troco, preocupado para não errar, observar a subida e descida de passageiros são coisas incompatíveis que levam o homem a tensão, estresse e acidente.” – disse em artigo da associação.

Sindicatos também apontam para o custo social com a demissão de trabalhadores que ficam desempregados.

Entretanto, os empresários de ônibus dizem que a tendência, já comum há muito tempo em diversos países, é irreversível.

Com o advento da bilhetagem eletrônica, hoje o cobrador passa boa parte do tempo ocioso dentro do ônibus, alegam os empresários.

Por outro lado, segundo os representantes dos trabalhadores, os profissionais podem ajudar o motorista em manobras e informando os passageiros.

Para que o fim da circulação do dinheiro nos ônibus ocorra de maneira gradual e com menos impactos sociais, é necessário comprometimento de diversos personagens do setor de transportes, envolvendo o poder público, empresários e trabalhadores.

Os casos com melhores resultados evitam a dupla função, ou seja, a retirada do cobrador não significou aumento de carga de trabalho do motorista.

O profissional cobrador não é demitido e sim qualificado para outras funções e os usuários têm acesso fácil à venda de bilhetes, inclusive os passageiros que não usam os transportes todo dia.

Analisando os sucessos e fracassos de realidades como Goiânia/GO, Campo Grande/MS, Campinas/SP e São José dos Pinhais/PR, é possível tirar as seguintes lições, consideradas mais adequadas (mas não verdades absolutas), para a mudança do perfil dos transportes:

  • Houve acordos para eliminar a dupla função, já não contemplando o cobrador. Neste caso foram ou estão sendo criados mecanismos para a eliminação do pagamento em dinheiro.
  • Algumas cidades possuem um mix de frota, de ônibus com e outros sem cobradores, dependendo do porte do veículo, linha ou demanda.
  • Cidades com corredores de ônibus possuem veículos que não contam mais com os cobradores nas linhas dessas estruturas porque o pagamento de passagem é feito em terminais e estações ao longo do trajeto. Nas demais linhas, o profissional permanece.
  • A importância de investimento em redes de autoatendimento e vendas de bilhetes, inclusive avulsos para passageiros eventuais, para que a retirada dos cobradores não resulte em transtorno para os passageiros. Esta rede deve funcionar em estabelecimentos comerciais que abrem em finais de semana e feriados, quando há mais passageiros ocasionais e quando as dificuldades em encontrar estabelecimentos são grandes. As bilheterias nos terminais devem ficar abertas durante todo o tempo de operação.
  • O sistema deve contar com informações acessíveis aos passageiros. As paradas devem ter nomes bem legíveis e mapas com as linhas. Mapas de linhas dentro dos veículos, com os nomes de paradas, como ocorre com o metrô, também são importantes. Aplicativos de celulares com informações sobre os transportes devem ser estimulados, mas os dados devem ser de fácil consulta nos locais físicos para os passageiros que não usam estes recursos.
  • Evitar demissões em massa readequando cobradores de ônibus em outras funções, havendo uma mudança gradativa.

Não há uma lei nacional sobre o tema. Apenas o novo Código de Trânsito Brasileiro que proíbe que o motorista coloque o veículo em movimento se estiver com as mãos ocupadas com qualquer objeto ou por atividade não relacionada diretamente à condução.

Alguns exemplos de cidades sem cobrador de ônibus – Fonte NTU – Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos/Blog Ponto de Ônibus – Adamo Bazani: Barra Mansa- Rio de Janeiro:- Eliminação do uso do dinheiro em 50% da frota. Bento Gonçalves – Rio Grande do Sul desde 1996: 35% ainda são pagos dinheiro. Bertioga – São Paulo, desde 2006: pagamento ainda pode ser feito em dinheiro. Boituva – São Paulo nunca houve cobradores: 33% da frota ainda recebem dinheiro. Campinas –São Paulo, desde 2014: Os ônibus ainda recebem dinheiro. Campo Grande – Mato Grosso do Sul, desde 2012: Não há mais pagamento em dinheiro dentro do ônibus. Dourados Mato – Grosso do Sul, desde 2011: 15% da frota ainda recebem dinheiro. Guaranhuns – Pernambuco, desde 2015: 47% das passagens são pagas em dinheiro. Goiânia – Goiás: houve a extinção de pagamento em dinheiro. Guarujá – São Paulo, desde 2006: Os ônibus ainda recebem dinheiro. Itapecerica da Serra – São Paulo: ainda há possibilidade de pagamento em dinheiro. João Monlevade – Minas Gerais, desde 2004: A passagem ainda pode ser paga em dinheiro. Joinville – Santa Catarina, desde 2001: não há mais pagamento em dinheiro. Marília – São Paulo, desde 2015: ainda há a possibilidade de pagamento em dinheiro. Maringá –Paraná, desde 2005: o dinheiro não é mais aceito nos ônibus. Matão – São Paulo, desde 2010: ainda há possibilidade de pagamento em dinheiro. Palmas – Tocantins, desde 2007: 8% das passagens são pagas em dinheiro. São Bento do Sul – Santa Catarina, desde 1998: 18% dos passageiros pagam em dinheiro. São Gonçalo – Rio de Janeiro, desde 2011: com a possibilidade de pagamento em dinheiro. Sorocaba – São Paulo, desde 1992: com a extinção gradual do pagamento em dinheiro.

Alguns exemplos  de cidades em que parte da frota tem cobradores e outra parte não tem – Fonte NTU – Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos/Blog Ponto de Ônibus – Adamo Bazani: Araucária – Paraná: 11,25% da frota com cobrador. Barra do Garça – Mato Grosso: 2% da frota com cobrador. Belo Horizonte – Minas Gerais: 53% da frota com cobrador. Caxias do Sul – Rio Grande do Sul: 85% da frota com cobrador. Curitiba – Paraná: 84% da frota com cobrador. Divinópolis – Minas Gerais: 30% da frota com cobrador. Mairiporã – São Paulo: 70% da frota com cobrador. Natal – Rio Grande do Norte: 50% da frota com cobrador. Pato Branco – Paraná: 50% da frota com cobrador. Patos de Minas – Minas Gerais: 10% da frota o cobrador .Rio de Janeiro – Rio de Janeiro: 34% da frota com cobrador.

Alguns exemplos  de cidades que dão desconto no valor das passagens pagas por cartões eletrônicos: Assis/SP, Boa Vista/RR, Chapecó/SC, Colatina/ES, Criciúma/SC, Divinópolis/MG, Florianópolis/SC, Itajaí/SC, João Molevade/MG, Joinville/SC, Lages/SC, Linhares/SC, Pato Branco/PR, Patos de Minas/MG, Petrópolis/RJ, São Paulo/SP, com tarifa menor nas modalidades diária, semanal e mensal do Bilhete Único.

Por Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes. Digitação: Wilson Bazani.

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